quarta-feira, 30 de julho de 2008

Time goes by

Ficar o dia toda deitada sobre a grama, vendo as nuvens no céu, passarem devagar, e a arvore que me da sombra, deixa o ventinho passar e arrepiar a espinha. Não pensar em nada, e lembrar de tudo, esperar por mais algumas horas, levantar, olhar ao meu redor, esperar a noite chegar a um lugar incomum, e que me fez crescer. A noite chega, você da adeus as pessoas mais importantes, choramos, e pensamos “eu voltarei, quem sabe eu voltarei...”. Chegamos à outra cidade, você vira para trás, vê aquelas pessoas que estiveram presentes desde o teu primeiro suspiro, da um sorrisinho, baixa a cabeça e segue... Eles sabem que você voltara, e você tem que voltar, é o teu dever voltar, para ver que você ainda esta aqui. O tempo passa, o ano passa você fica com a cabeça mais madura, ou tenta faze-la amadurecer, volta (pois você sabe o que deve fazer), e para no mesmo lugar que você estava antes de partir, você olha para as mesmas pessoas que você viu antes de sair, umas envelheceram, outras mudaram completamente, mas todas olham para você como se tu ainda tivesses os mesmos sete anos. Tu largas as malas que tem em teus braços, e com uma respiração de alivio corre e se envolve nos braços de quem sempre esteve contigo. As coisas não mudaram desde a tua partida, você por dentro, continua a mesma criança de sempre, com o coração de sempre, apenas mais velha do que o seu natural estado físico e emocional... E no próximo ano, tudo ira acontecer novamente, você fará tudo de novo, mas para sempre, não haverá voltas, escolhas são feitas assim, eu sei que dará certo, mas o inicio será complicado. Você fez a escolha certa, você escolheu conhecer o mundo todo, agora continue nessa viagem, nela você ainda terá a companhia dos bons e velhos amigos. Tenha certeza, eles estarão lá de novo.

sexta-feira, 25 de julho de 2008


"Menos pela cicatriz deixada, uma ferida antiga mede-se mais exatamente pela dor que provocou, e para sempre perdeu-se no momento em que cessou de doer, embora lateje louca nos dias de chuva."


Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação. Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso.A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Morangos Mofados

Let me take you down
‘cause I’m going to strawberry fields
nothíng is real, and nothing to get hung about
strawberry fields forever
Lennon & McCartney: “Strawberry fields forever

Adagio sostenuto
Quando acordou, o sol já não batia no terraço, o que trocado em miúdos significava algo assim como mais-de-duas-da-tarde. Tinha tomado três comprimidos, um pela manhã, outro pelo almoço, outro antes de dormir, só que juntos - e o gosto persistia na boca. Strawberry, pensou, e quis então como antigamente ouvir outra vez os Beatles, mas ainda na cama teve preguiça de dar dois passos até o toca-discos, e onde andariam agora, perdidos entre tantas simones e donnas summers, tanto mas tanto tempo, nem gostava mais de maconha. Acariciou o pau murcho, com vontade longe, querendo mandar parar aquele silêncio horrível de apartamento de homem solteiro, a empregada não viria, ele não tinha colocado gasolina no carro, nem descontado cheque, nem batalhado uma trepadinha de fim de semana, nem tomado nenhuma dessas pré-lúdicas providências-de-sexta-feira-após-o-almoço, e precisava. Precisava inventar um dia inteiro ou dois, porque amanhã é domingo e segunda-feira ninguém sabe o quê.
Acendeu um cigarro, assim em jejum lembrando úlceras, enfisemas, cirroses, camadas fibrosas recobrindo o fígado, mas o fígado continuaria existindo sob as tais fibras ou seria substituído por? Ninguém saberia explicar, cuecas sintéticas dessas que dão pruridos & impotência jogadas sobre o tapete, uma grana, imitação perfeita de persa. O telefone então tocou, como costuma às vezes tocar nessas horas, salvando a página em branco após a vírgula, ele estendeu a mão, tinha dedos até bonitos ele, juntas nodosas revelando angústia & sensibilidade, como diria Alice, mas Alice foi embora faz tempo, a cadela que eu até comia direitinho, estimulando o clitóris comme ilfaut, não é assim que se diz que se faz que se. O telefone tocou uma vez mais, e como se diz nesses casos, mais uma e mais outra e outra mais, enquanto com uma das mãos ele ligava o rádio libertando uma onda desgrenhada de violinos, Wagner, supôs, que tinha sua cultura, sua leitura, valquírias, nazismos, dachaus, judeus, e com a outra acariciava o pau começando a vibrar estimulado talvez pelos violinos, judeus, davis.
O telefone parou, o telefone não fazia nenhum som especial ao parar, mas deveria arfar, gemer quando entrasse fundo, duro e quente, judeuzinho de merda, deve estar metido naquele kibutz no meio da areia plantando trigo, não, trigo acho que não, é muito seco, azeitonas quem sabe, milho talvez, a cabeça quente do pau vibrava na palma da mão, foi no que deu ficar trocando livrinho de Camus por Anna Seghers, pervitin por pambenil, tesão se resolve é na cama, não emprestando livro nem apresentando droga, anote, aprenda, mas agora é troppo tarde, tudo já passou e minha vida não passa de um ontem não resolvido, bom isso. E idiota. E inútil.
Levantou de repente. Foi então que veio a náusea, só o tempo de caminhar até o banheiro e vomitar aos roncos e arquejos, onde estão todos vocês, caralho, onde as comunidades rurais, os nirvanas sem pedágio, o ácido em todas as caixas-d’água de todas as cidades, o azul dos azulejos começando a brilhar, maya, samsara, que às vezes voltava. De súbito lisérgico no meio de uma frase tonta, de um gesto pouco, de um ato porco como esse de vomitar agora as quinze miligramas leves leves. Alice abria as coxas onde a penugem se adensava em pêlos ruivos, depois gemia gostoso, calor molhado lá dentro. Neurônios arrebentados, tem um certo número sobrando, depois vão morrendo, não se recompõem nunca mais, quantos me restarão, meu deus e a mão de pêlos escuros de Davi acariciando as minhas veias até incharem, quase obscenas, latejando azul-claro sob a pele. Sabe, cara, quando te aplico assim com a agulha lá no fundo, às vezes chego a pensar que. Noites sem dormir e a luz do dia esverdeando as caras pálidas e as peles secas desidratadas e as vozes roucas de tanto falar e fumar e falar e fumar. Vomitou mais. Nojo, saudade. Sou um publicitário bem-sucedido, macio, rodando nas nuvens, o Carvalho me disse que rodando-nas-nuvens é do caralho, que achado, cara, você é um poeta, enquanto olho pra ele e não digo nada como eu mesmo já rodei nas nuvens um dia, agora tou aqui, atolado nesta bosta colorida, fodida & bem paga. Strawberryfields: no meio do vômito podia distinguir aqui e ali alguns pedaços de morangos boiando, esverdeados pelo mofo.

Caio Fernando Abreu