terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Selvagem Coração


Na terra do coração passei o dia pensando - coração meu, meu coração. Pensei e pensei tanto que deixou de significar uma forma, um órgão, uma coisa. Ficou só com-cor, ação - repetido, invertido - ação, cor - sem sentido - couro, ação e não. Quis vê-lo, escapava. Batia e rebatia, escondido no peito. Então fechei os olhos, viajei. E como quem gira um caleidoscópio, vi:



Meu coração é um sapo rajado, viscoso e cansado, à espera do beijo prometido capaz de transformá-lo em príncipe.
Meu coração é um álbum de retratos tão antigos que suas faces mal se adivinham. Roídas de traça, amareladas de tempo, faces desfeitas, imóveis, cristalizadas em poses rígidas para o fotógrafo invisível. Este apertava os olhos quando sorria. Aquela tinha um jeito peculiar de inclinar a cabeça. Eu viro as folhas, o pó resta nos dedos, o vento sopra.
Meu coração é um mendigo mais faminto da rua mais miserável.Meu coração é um ideograma desenhado a tinta lavável em papel de seda onde caiu uma gota d’água. Olhado assim, de cima, pode ser Wu Wang, a Inocência. Mas tão manchado que talvez seja Ming I, o Obscurecimento da Luz. Ou qualquer um, ou qualquer outro: indecifrável.
Meu coração não tem forma, apenas som. Um noturno de Chopin (será o número 5?) em que Jim Morrison colocou uma letra falando em morte, desejo e desamparo, gravado por uma banda punk. Couro negro, prego e piano.
Meu coração é um bordel gótico em cujos quartos prostituem-se ninfetas decaídas, cafetões sensuais, deusas lésbicas, anões tarados, michês baratos, centauros gays e virgens loucas de todos os sexos.
Meu coração é um traço seco. Vertical, pós-moderno, coloridíssimo de neon, gravado em fundo preto. Puro artifício, definitivo.
Meu coração é um entardecer de verão, numa cidadezinha à beira-mar. A brisa sopra, saiu a primeira estrela. Há moças na janela, rapazes pela praça, tules violetas sobre os montes onde o sol se pos. A lua cheia brotou do mar. Os apaixonados suspiram. E se apaixonam ainda mais.
Meu coração é um anjo de pedra de asa quebrada.
Meu coração é um bar de uma única mesa, debruçado sobre a qual um único bêbado bebe um único copo de bourbon, contemplado por um único garçom. Ao fundo, Tom Waits geme um único verso arranhado. Rouco, louco.Meu coração é um sorvete colorido de todas as cores, é saboroso de todos os sabores. Quem dele provar, será feliz para sempre.
Meu coração é uma sala inglesa com paredes cobertas por papel de florzinhas miúdas. Lareira acesa, poltronas fundas, macias, quadros com gramados verdes e casas pacíficas cobertas de hera. Sobre a renda branca da toalha de mesa, o chá repousa em porcelana da China. No livro aberto ao lado, alguém sublinhou um verso de Sylvia Plath: "Im too pure for you or anyone". Não há ninguém nessa sala de janelas fechadas.
Meu coração é um filme noir projetado num cinema de quinta categoria. A platéia joga pipoca na tela e vaia a história cheia de clichês.
Meu coração é um deserto nuclear varrido por ventos radiativos.
Meu coração é um cálice de cristal puríssimo transbordante de licor de strega. Flambado, dourado. Pode-se ter visões, anunciações, pressentimentos, ver rostos e paisagens dançando nessa chama azul de ouro.
Meu coração é o laboratório de um cientista louco varrido, criando sem parar Frankensteins monstruosos que sempre acabam destruindo tudo.
Meu coração é uma planta carnívora morta de fome. Meu coração é uma velha carpideira portuguesa, coberta de preto, cantando um fado lento e cheia de gemidos - ai de mim! ai, ai de mim!
Meu coração é um poço de mel, no centro de um jardim encantado, alimentando beija-flores que, depois de prová-lo, transformam-se magicamente em cavalos brancos alados que voam para longe, em direção à estrela Veja. Levam junto quem me ama, me levam junto também.Faquir involuntário, cascata de champanha, púrpura rosa do Cairo, sapato de sola furada, verso de Mário Quintana, vitrina vazia, navalha afiada, figo maduro, papel crepom, cão uivando pra lua, ruína, simulacro, varinha de incenso.



Acesa, aceso - vasto, vivo: meu coração é teu.


sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Mulher, Sempre Mulher


Eu não entendo nada sobre mulheres. Nunca satisfeitas com si próprias, sempre tem algo fora do padrão, sempre tem algo que não combina com nada, sempre ou mais gorda ou magra demais, e que o padrão diz para a mulher estar perfeita. Agora cá entre nós, que padrão é esse que não as fazem sossegarem o corpo? Parece uma porta escura para elas, uma espécie de deusa, uma superioridade que as fazem crer. Não entendo nada de mulheres, muito menos se estão ‘no ponto’ ou não. Mas mulher pra mim, na sinceridade, é aquela que tem gordurinhas do lado, jamais na frente, mas do lado. Tem pernas de mulheres, cabelos de mulher e braços de mulher, e não aquele tipo Barbie, onde tudo é perfeito, aquele loiro perfeito, as pernas torneadas perfeitamente e um rosto impecável, que chega a parecer plástica facial.
As mulheres de hoje em dia, se preocupam com a magreza, e muitas delas estão morrendo por bulimia, anorexia e muitas outras doenças de dedos ou falta de comida, enquanto poderiam estar se controlando por ai. Muitas mulheres estão se preocupando com a maquiagem do outro dia, ao invés de nem colocarem maquiagem, porque as rugas são graciosas, e maquiagem pra que? Podem ficar bravas com isso, mas maquiar-se de noite, para um encontro, sabendo que cinco minutos depois estarão nuas numa cama, com alguém que nem vai saber se esta maquiada ou não, perda de tempo. Sim mulheres, nós gostamos de suas faces sem aquele concreto e tinta e não sei mais o que, que fica duro como pedra, e às vezes chega a ser ridículo. E ainda por cima, os comentários entre elas são que, mulheres interessantes são as altas. Mentira! Falácia! Falcatrua! Tudo mentira da oposição, mulher interessante é aquela que consegue ser o mais afável possível, que consegue ser ela mesma independente de ser alta ou não. E que, nos finais de semana deixam seus maridos olharem futebol. Essas sim são mulheres interessantes.
Mulheres são mulheres em qualquer lugar do mundo, nunca entenderão o porquê da rodada de cerveja ser somente entre homens [e algumas mulheres desconhecidas no meio], do porque do futebol ser sempre no horário em que elas querem algo, de que mesmo estando horríveis, deploráveis, para nós elas sempre estarão lindas [mesmo, forçadamente, concordarmos com isso], porque sempre vamos mentira, e elas acreditarem sobre seu peso, altura, frente e trás. Que homens nunca serão perfeitos, que existem homens homossexuais.
Mas elas são únicas, até mesmo tendo coisas únicas. Que serão sempre prioridade na vida masculina, e até na feminina, porque, o que seriam das mulheres sem as próprias mulheres, do que falariam? O que viriam para competir, brigar e ter ciúme? E mais, do que seriam os homens sem as mulheres, sem sua fragilidade no meio de tanta coisa robusta, sem a calmaria que elas passam até quando estão agitadas, sem suas mãos doces esfregando pelo nosso rosto. Sem seus gritos e quebradeiras, sem suas brigas sem importância, sem seus momentos de drama desnecessários, sem o período de tensões e problemas hormonais. Mulher que é mulher nunca vai compreender a si e aos outros, mesmo que tente mudar o mundo e a tudo, sabem que não terão sucesso completo. Porque mulher que é mulher esta aqui para ser feliz, encontrar felicidade na comida, na gordura e em qualquer coisa que saibamos que somos felizes com elas e não estão nem ai para o padrão, que ainda não sabemos qual é. Pronto, me odeiem mulheres!

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Caminito




Ah! Sempre é bom rever Buenos Aires, aquela coisa bucólica, que dá uma vontade de não parar de ouvir mais tango quando se volta. E as ruas, as casas, tudo lá revive e sobrevive. Entre meios de protestos, panelaços e qualquer outro quebra-pau que lá aconteça, Buenos Aires continua linda por igual. E entre os bares e as praças, um copo e outro, ainda me vejo admirando cada vez mais a terra da rivalidade brasileira. Eu ainda não entendo essa constante briga entre Brasil e Argentina, que na realidade, é mais Brasileira do que Argentina. Mas enfim, continua a mesma coisa.


Pois bem, na bem da verdade, não era bem sobre Buenos Aires que gostaria de falar, mas sim sobre a quanta nostalgia ela me passa. Nunca vi uma cidade que me passasse tantas coisas velhas ao mesmo tempo, e recordações tão grandiosas, algumas coisas já esquecidas na mente, que, quando coloco o pé lá, me vem tudo de volta. Não sei se choro, se fico rindo, se apenas fico parada, e momentaneamente sem reação, mas em algum estado tenho plena certeza que fico. E tudo fica, e vai e volta em pouco tempo. Gosto desses instantes de nostalgia intensa, essas reviravoltas na mente. É bom poder e ter a chance de relembrar algumas coisas, boas ou ruins, porque nem tudo são mares de rosas na vida de algum humano, sempre há algo errado, que incomode.
Lembro-me de tantas coisas, e me recordo o momento exato da primeira vez que fui a Buenos Aires, foi algo muito surreal, e sem qualquer tipo de palavras, até porque o espanhol não é algo que eu goste de incorporar, não disse nada, não hesitei, não movi nem locomovi. A segunda vez foi como primeira vez melhorada, não descartando a possibilidade de a primeira ser maravilhosa, mas havia algo muito melhor nessa segunda vez. Algo mais do que inteiriço e significativo (que algum tempo depois, especificamente dois anos, se transformou em bagunça mental generalizada), algo que encheu. E a terceira, bem a terceira foi para esquecer, mas como a volta foi só para relembrar o que de ruim aconteceu e de chorar as magoas por tudo que, de não concreto deu errado, foi só pra viajar mesmo. Ou ver a diva pop, ou qualquer outra resposta sem ser de lovers nightmare! E literalmente falando sobre pesadelos amorosos, melhor nem entrar no mérito de amores, nunca dados certo mesmo, melhor deixar no fundo do poço. Mas que uma paixão latina transborda sobre Buenos Aires, ah sem dúvida isso acontece e surge de repente, entre um show de tango em plena Avenida de Mayo, ou um palanque em frente à casa rosada.
E infinitamente, nunca me canso daquele lugar, daqueles argentinos, daquela falta de educação total que somente lá existe, e o transito caótico, e qualquer outro tipo de coisa que lá existe, mas isso tudo não consegue apagar todo o brilho daquela cidade, que não é de luz, não é cinzenta, mas é das casas velhas, das reconstruções, dos amantes latinos, das paradas obrigatórias.

‘Por una cabeza, todas las locuras. Su boca que besa, borra la tristeza, calma la amargura. Por una cabeza, si ella me olvida qué importa perderme mil veces la vida, para qué vivir.’

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Mi querida Buenos Aires


Viajando e pra bem longe... Nem vem, Buenos Aires somente!


quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Another Time, Another Place


Estou cansada de ser enganada, e mais uma vez isso me acontece, e parece que nunca aprendo. É complicado quando se deixa cair novamente. E mais uma vez me afundo nisso, e me perco nessa ladainha. Eu sempre morro na praia e não entendo. Depois, fico pensando e morrendo devagarzinho, sofrendo com cada pensamento novo, e vem vindo o passado, e dilacerando o já recuperado, ou então, quase recuperado furo que aqui, nesse peito vazio e duro como casco de tartaruga ainda perdura, e insiste em viver. Ele não adoece, ele fortalece com mais um suspiro de dor, de tristeza notícia e qualquer outra coisa que venha e pense ser desse lado. Tristeza não me deixa enterrar totalmente, mas não me deixa pensar, e nessa eloqüência de nenhum nem outro, paro, fico e não faço mais nada. Morro de medo de perder o que ainda sobrevive em mim, ou penso que tenho algo para sobreviver. Nem eu sei mais o que tenho aqui. Eu tenho um certo ódio mortal e um rancor que mata qualquer indivíduo quando algo me acontece e nele esta entrelaçado alguém. Não tenho medo de desejar o mal alheio, muito menos das minhas pragas rogadas. Não deveria desejar, mas um bom vingador de bom coração também existe e resiste em muitos pontos, mas não sobre os seus calos.
Eu lembro da última vez de enganação total do corpo meu, foi uma dor no peito, uma pressão entre o músculo e o que há depois do músculo. Parecia insuportável, mas eu ressurgi, e não sei como eu ainda vivo, e me engano e me enganam. Eu pensei nunca, sob hipótese alguma isso acontecer novamente, e mais uma vez aqui encontro-me. Tenho pena de mim mesma, um dó de não entender o porque de fazer e refazer e não compreender o porque de estar errado. Para mim sempre esta certo, e deve ser isso que nubla meus olhos. Aquela dor insuportável voltando, e vem acariciando como quem não quer nada, e vai entrando corpo adentro, falando coisas boas e quando menos se espera, morre! Eu sinto falta de quando eu tinha um pouco mais de realidade dentro de mim, deve ser isso que falta. A realidade dói muito para ser vista a olho nu e não ter um pano que esconda algumas partes. E é assim que eu me sinto, assustada. Não com a realidade, pode até ser um ponto fiel, mas há algo que me assusta, algo que nem eu consigo ver, talvez seja tão mais complicado do que querer entender a todo custo o alheio.
É uma angústia, um sentimento irreparável, algo que não para de andar por dentro de mim, que vai se espalhando pelo corpo, e nesse final de ano, tudo esta se juntando, todas as coisas ruins vem vindo. E algumas novas entram, as velhas vão renascendo, e vai criando-se a bola de neve, que nem fogo consegue apagar. Perdida como criança que chega nova no mundo. Não entendo o que se passa, e necessito a todo o santo custo entender. É inadiável querer descobrir, e parece que com cada novo minuto, uma nova dor. Sem ressentimento de vir dos outros, mas não era necessário, ou então muito necessário para tomar na carne, no osso, mas não aprender? Julgo-me inadimplente para muitas coisas, e com um erro novo, uma perda de chance, ou mais uma vida morta.
Ah! Essa vida em prestação, que a cada mês ao invés de pagar e ganhar um bônus para o mês que vem, eu ganho um tiro a mais e continuamos aqui, contando história. Eu paro e reparo, será que existe sentimento dentro de algo vazio? Ainda, e não me canso de ficar perguntando-me sobre essa coisa nula, esse espaço que não é preenchido, e cada vez mais aumenta. É um espaço sem preenchimento, e me apavoro pensando se jamais vai preencher. Seria uma lástima se nada ocupar isso. Seria um morto, um peso morto, algo que nunca sairá, acabará ou qualquer outra coisa. Extremamente com gosto ruim, vai descendo na boca um gosto ruim, e cria um aroma de tragédia. Triste. Dolorido seria melhor, porque as conseqüências são muito maiores e longas. Eu não quero mais chorar, não quero mais me desidratar por algo que nunca vai, ou me deixou bem. Eu quero esquecer, e nunca mais lembrar, um estilo amnésia, sem reparar em outro foco. Fuja da minha mente, me deixe em paz e não volte. Eu quero solidão!

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Essa vida bandida


Minh’alma ainda dói, ainda sinto aquele peso dentro de mim, e aquele trauma corroendo as pernas, mexendo com a eloqüência. Eu queria um pouco mais de sensatez, um pouco mais de harmonia entre o corpo e a razão, que nem sempre parece estar viva, e se esta, há algum empecilho para que ainda sim, não haja harmonia. E a falta dela me mata, lentamente vai perfurando o tórax, chegando devagar, dolorido, quente no músculo, e atinge o coração, sem dó, sem qualquer tipo de amor. Eu ainda sinto, ou ao menos tento sentir, esquecer aquilo que me matou e mata. Tento esquecer o que perdi, perdeu, e não conseguiremos mais. Eu sempre tento, deveria de passar desse estagio, mas é aquele medo, aquela angústia, aquela desgraça alheia, que a empatia trás para você, e unicamente você, carregar pelo outro. E no final, quando tudo esta bem, sempre há algo perdido, algo que não cola. E nada cola um coração moído, quebrado, despedaçado. Nada vai juntar as peças novamente, e acabamos dessa toada, essa tortura de amar errado e nem pra isso servir.


Soneto da Tristeza

"Por favor tristeza dá um tempo
para que eu possa me restabelecer
sentir o que vai dentro da minh`alma
o que se passa no interno do meu ser
Não me deixes pelos descaminhos da vida
sem um farol que ilumine minha ação
sem um estímulo que me dê guarida
sem a mão que estende e afaga o coração
Ainda que eu ande sem rumo,
talvez à procura de algum elo perdido
ainda assim me conservarei no prumo.
Ainda que o medo me entorpeça
e que eu fique completamente amargurado
acenda-se a chama do amor, antes que eu feneça."
Guida Linhares