quarta-feira, 5 de novembro de 2008

To: Family


Talvez seja uma lei da natureza, talvez seja a força do habito. Mas quando a sensação de distância realmente acontece, ai sim, vê que o mais difícil é recordar daquele tempo em que à brincadeira de ‘lojinha’ era apenas uma forma a mais de estar perto. Talvez uma distancia nem muito grande, mas sabemos que se for duzentos quilômetros, no outro dia ela estará aqui. Oportunidade vem com o tempo, e da mesma maneira que vem, levam aqueles que um dia pensamos que nunca iriam junto. Posso não ter aproveitado como deveria, posso não ter prestado atenção nos horários. Mas agora, as lembranças de que tudo o que foi feito era para ser guardado na memória, faz seu real sentido em minha cabeça.
Eu posso transparecer completamente sozinha, forte e que não precisa de mais alguém para dividir problemas, mas quando a falta entra em um sistema congelado, em que não há tempo para a normal temperatura, a tristeza vem à tona, a cabeça começa a pesar e as lágrimas caem como se fosse a últimas palavras. E as lágrimas que trancam em meu olhar morto descem como se fosse o ultimo tango de Paris, as cores estão deformando a total forma. Existência da distante magia colorida das crianças.
Posso estar errada, de sempre pensar que a hora certa viria mais tarde. Entre as varias contradições da velha Ana, das fases mais inóspitas já vistas. Sempre há uma pétala para cair. A rosa broxou quando o caule foi embora, e da mais vermelhidão, a inocência de ter que andar sozinha foi criando a barreira. Todos os sonhos de correr pelos campos mais verde e florido, rolar, e rir das piadas mais sem graça. Navegar nos sonhos de uma fantástica ilha paradisíaca. Ouvir as musicas e saber dividir a mão com quem mais repudiou durante anos.
Lembro-me daqueles olhos claros que expeliam as gotículas mais meigas, do abraço que tremeu as pálpebras. Uma saudade extrema, e talvez pela primeira vez, neste exato momento eu conseguiria falar um ‘eu te amo, e sinto a tua falta’ com a mais sincera e esperançosa afirmação. Dizem que depois que ficamos mais velhos e vemos a vida passar mais depressa, é que começamos a ver o que perdemos. E estou começando a concordar com essa afirmação. Eu não perdi muita coisa, eu nem vivi ainda. Dezessete anos não é quase nada, não é quase nada quando não se convive com dois irmãos fora de si, um pai que canta, ou tenta cantar, e uma mãe que contabiliza as reformas da casa.
Viagens mais alucinantes impossíveis de existir, aqueles passeios em que contaremos em uma roda no domingo na casa dos pais, e os filhos ouviram as velhas historias da família Treichel Vianna, família que não será somente de Viannas e Treichels, com certeza... Alguém falou em filhos? Só se for os dos meus irmãos, porque filhos eu não terei. Mas hei de cuidar dos meus sobrinhos do mesmo jeito que cuidei de meu irmão mais novo, na base das vassouras e circuitos em volta da mesa. Hei de conversar com as minhas sobrinhas quando elas entrarem na sétima serie e começarem a estudar de manha. Lembro-me daquela velha noite.
Conversas foram pouca, risos, incontáveis, numero de saídas, falta calculadora e dígitos. Nunca esquecerei, nem nas minhas viagens mais longas, nos meus sonhos mais loucos, nos meus retornos, aqueles que um dia tiveram o prazer de estar me sufocando com palavras, que só agora elas começam a fazer total sentido. Palavras tenebrosas, que pensei jamais serem usadas. E muito pelo contrario, experiências usáveis e diluídas em gotas de suor. Trabalhos constantes, gritos de ‘você estará melhor se fizer isso’, talvez às vezes nem que fosse por esse motivo, era para destruir a vida do outro mesmo. Mas duvido que um dia alguém vá destruir correntes fortes e bem constituídas.
Espero que todos nós tenhamos caminhos feitos água, para deslizar e encharcar a pele, que tudo ocorra de forma agradável, batalhando, sangrando, mas agradável. E mesmo passando-se vinte anos, a família vai estar junta, na mesma posição de acolher os velhos braços frios e brancos. E nos invernos tomaremos chocolate quente na cama da mãe na velha Cachoeira do Sul, a cidade que mesmo pequena, nos deixa caminhar pelas ruelas e voltar para casa depois de um dia cheio de nada para fazer. Que sejam felizes aqueles que do mesmo sangue sabem o real sabor da distância.

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